sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Crer

Quando criança, no catecismo, me ensinavam a oração "Creio". 'Creio em Deus, Pai todo poderoso...' não me lembro mais. Uma vez, a professorinha de um cursinho de admissão dizia que "na religião dela", a conversa com Deus "era de outra forma". Eu não tinha a malícia de me perguntar que "forma" era essa. Assumi que era outra oração. Deduzi também que ela era protestante, ou "crente". Ora, um "crente" deveria rezar "Creio". Ou não? Na época eu achava que só existiam duas religiões: a católica e a protestante. Judeu, do que podia deduzir, era uma forma de se comportar, especialmente com relação ao dinheiro, e o dono da loja que vendia roupa, perto da praça principal. Isso eu descobri porque, um dia fomos à loja - que era uma evento especial para mim - eu e minha mãe, e demos com a cara na porta. Mas como? Era uma 5a-feira! "Feriado judeu", respondeu o português do bar, vizinho. Para mim era difícil entender como gente tão apegada a dinheiro podia deixar de trabalhar em plena 5a.-feira.
Mas, vamos ao que interessa. Cabe aqui a pergunta: você crê? Aí, não importa em quem nem em quê. Crer é um ato de entrega. Você entrega toda a sua credulidade. É um exercício de autruismo. É uma ação exercida desde os primórdios da humanidade e nos define como humanos. A atitude de autruismo torna possível a sobrevivência do ser humano em um ambiente extremamente hostil. Mais fracos e suscetíveis, a nós restou nos entregar para o bem do grupo. A forma como esse autruismo é exercido é através da articulação da crença, em nossas mentes. Crença no grupo, no líder, nos companheiros em ação conjunta de caça. Mais ou menos como os animais da espécie canina, dotados da capacidade de falar.
Com o passar do tempo a relação entre os humanos se sofisticou, ganhou novas dinâmicas. Na emergência da humanidade, aparecem o parasitismo, mutualismo, simbiose, predação, enfim, tudo o que rege a evolução natural, só que no contexto da sociedade. A capacidade de abstração nos permitiu alcançar a incontornabilidade da morte, e como tal, crer que seja possível ultrapassá-la. Se há um "pai" aqui entre os mortais (e a existência do pai é uma constatação que nos traz certo conforto), certamente haverá um Pai eterno e todo poderoso na vida eterna. O monoteísmo representou, sim, uma grande evolução para a humanidade.
Mas há aqueles que se rebelam contra a ordem, contra o Pai. Para esses, é preciso que se liberte da Sua tirania. No entanto, mesmo rebeldes, é preciso crer em outra coisa, um substituto do Pai. Aí, vem novamente a pergunta: você crê? Pergunte-se humildemente, meu amigo. Pergunte-se sempre. Porque crer é um ato que sempre nos leva ao mesmo ponto. Não basta se rebelar contra o Pai. É preciso se tornar independente dele. Olhar o mundo de forma cética é uma evolução que não se obtém facilmente. É preciso conquistar. E não é para todos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário