sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Amor aos pobres é um sentimento cristão. Será?

Dos papas e homens santos (o Papa Francisco incluído) ouvimos os pedidos para "amar os pobres". Muitos se declaram em "orientação preferencial pelos pobres". Não duvido que este seja um sentimento real. Acho que cada um de nós, pelo menos uma vez na vida, nos compadecemos com a situação miserável de alguém, um amigo ou anônimo que seja. Porém, eu pergunto, será esse sentimento a manifestação do sentimento "inato" religioso, do "amor de Cristo"?
Primeiro, tal sentimento não é exclusividade cristã. Seitas do islã (e haja seita! Tantas quantas no cristianismo.) pregam a bondade e a solidariedade com os mais pobres. No judaísmo há o preceito da ajuda aos seus semelhantes. Ainda que, por semelhante se entende outro "filho de David", podemos classificar como dentro do mesmo preceito pelos motivos que vou descrever mais abaixo. A própria "procura do nirvana", encontrada no budismo, que representa o despojamento das coisas do mundo, pode ser um ato de solidariedade ao "pobre" e destituído das coisas materiais.
Creio que a solidariedade implícita nesse "amor aos pobres" é um sentimento de origem, isto é, vem da formação da própria estrutura social nas sociedades arcaicas. Em biologia há o conceito de "altruísmo", a propriedade de elementos de seres vivos em formação social ou em rede (caso de seres vivos inferiores) que se sacrificam, alguns com a própria vida, em prol do conjunto. Seria a ação da emergência de uma estrutura mais complexa que exige tal "altruísmo" de seus componentes para garantir sua existência.
É fato consolidado na ciência que a dominância da raça humana na terra se deve à organização dos seres humanos em sociedades altruístas. Os marxistas chamam de "socialismo primitivo". Se eles perseguem um "socialismo final" como retorno a esse primitivismo, isso é uma outra história. Tem mais a ver justamente com o messianismo cristão do que com qualquer outra coisa. Nessas sociedades primitivas havia um compartilhamento de tudo o que era de necessidade para o grupo. É a formação do que hoje chamamos "clãs". É preciso notar que essa solidariedade, ou altruísmo, vigorava no interior do clã, mas não necessariamente com membros de outros clãs e muito menos entre clãs. Nesse caso a luta era selvagem, coisa que se observa ainda hoje, tanto na África, em forma mais "natural" quanto entre sociedades ocidentais avançadas, menos "selvagens" mas nem por isso menos cruéis. Observou-se isso no tempo da colonização, também, quando se aproveitou da rivalidade entre tribos nativas para tirar proveito na ocupação. Vide portugueses e franceses no Rio de Janeiro. Quem puder, assista o filme "Como era gostoso meu francês" de Nelson Pereira dos Santos. Vale a pena tanto para aprender (e muito) dos modos da época, quanto admirar a beleza nua de Ana Maria Nascimento, grande atriz, e no seu mais importante papel.
Uma coisa Jesus Cristo nos trouxe de positivo e novo: pregou a democratização dos ritos judaicos que se mantinham restritos a uma elite entreguista e exclusivista. Foi isso que enfureceu Caifás. A intromissão de Jesus no tempo era um ato insuportável. Por isso quiseram punir Jesus. E o conseguiram ao convencer os romanos que Jesus blasfemava e por isso a crucificação, que era a punição ao crime de blasfêmia entre outros. A inscrição 'INRI' era uma ironia que vinha a calhar: "Jesus Nazareno Rei dos Judeus". São Paulo de Tarso expandiu o conceito dessa "socialização" para fora do âmbito judeu e o resto é o que se prega nas missas.
Portanto, esse sentimento de solidariedade com os mais pobres pode ser entendido como um sentimento primitivo, em que nos "sentimos mal" pois, após a conceituação de Cristo / São Paulo que um ser humano é um membro de seu clã, vemos que um "semelhante" não se beneficia da riqueza que gozamos.
Há uns que saem para "repartir". Outros já acham que o que deve ser "igual" é a oportunidade, não o bem material. Outros acham que os pobres devem desaparecer ou "ser extintos" pois não podem ser vistos como "membros do clã". Enfim, o critério para a repartição era diferente de clã para clã.
Mas, o fato é que o sentimento de "amor aos pobres"  não é de cunho religioso. Na verdade ele o antecede.

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